Roberto Carlos nunca deve ter lido Oswald de Andrade, mas usou e abusou de uma boutade do poeta: não leu e não gostou de sua biografia não-autorizada, Roberto Carlos em Detalhes, escrita por Paulo Cesar de Araújo. Mas o que era uma tirada irônica inteligente na boca do bardo modernista se transformou num caso triste e grave de censura nas mãos do compositor e cantor.
Roberto Carlos confessou, com todas as letras, em entrevista à imprensa, que se sentiu ofendido pelo que seu advogado disse que o livro contém a respeito de alguns episódios de sua vida, especialmente o acidente numa linha ferroviária que levou à amputação parcial de sua perna, uma aventura amorosa com a cantora Maysa e o final sofrido de sua última mulher.
Todos os acontecimentos são públicos. Se há uma novidade no livro, lançado no ano passado, essa novidade está no cuidado do autor em enriquecer (às vezes além da conta do equilíbrio) a reconstituição dos fatos, checando cada um dos detalhes, mesmo os ociosos, para um leitor mais rigoroso e exigente (mas nunca inconvenientes e, até prova em contrário, nem inverídicos). A biografia é um trabalho de exegese, raro no campo da música, valorizado por uma excelente edição gráfica, que deu ao livro o status de álbum, mesmo sem capa dura.
O grave da reação do famoso astro da Jovem Guarda é sua violação aos princípios da liberdade de pensamento e de expressão, que têm garantia constitucional. Para poder caracterizar os tipos subjetivos dos crimes de difamação e injúria, por ele argüidos na sua ação judicial contra o autor do livro, era preciso que o cantor tivesse pelo menos lido o livro. Indignar-se por interposta pessoa, por mais que ela seja o profissional incumbido de sua assessoria jurídica, é um desatino, uma contradição, uma impropriedade técnica.
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